KO 1
Glória sabia que Al, ao não cumprir com o protocolo, revelava desconhecê-lo, o que denunciava ser considerado persona non grata perante o GG (Grande Grupo). Tinha pena, porque pertenciam à mesma Escola, e chegaram até a sentir que poderiam partilhar o mesmo espaço, se tal fosse permitido. Al era alto, atlético, moreno, olhos castanhos e feições de film noir . Ela, estatura média, cabelo castanho arruivado de corte rebelde, mais curto do que comprido, olhos azuis, elegante q.b., não o suficiente para modelo, rosto simpático mas que podia mostrar severidade e até intimidar caso fosse preciso. Impossível não gostar tanto de um como do outro. E o facto de estarem ligados a uma mesma entidade dava-lhes sobejos motivos para pensar que dificilmente se perderiam de vista. Vidas de fachada, como cidadãos comuns, mas que nada deviam à normalidade.
Esta noite, contudo, tornara obscuro o destino desta relação de quase duas dezenas de anos. O que se teria passado para transformar Al num proscrito?
Dentro do submarino, que submergira logo após a entrada de Glória e do seu libertador, se é que se pode chamar isto a alguém que executa ordens directas do Grande Mestre, respirava-se ansiedade. Nenhum deles trocou palavra até ao QG (quartel general), situado na parte mais funda do lago, ligado por túneis a quatro edifícios em locais distintos da cidade, N.S.E.O (norte, sul, este, oeste), por forma a cobrir possibilidades de fuga, abrigo ou comunicação, conforme a situação o exigisse. Ninguém, para além do GM, de um cientista e de um informático, sabia as coordenadas exactas do QG. O submarino funcionava por computação. Identificava quem nele entrasse pelo timbre de voz acrescido de código pessoal. Se um destes elementos falhasse, enviava um aviso de imediato para a base, mergulhava e retinha os seus ocupantes o tempo que permitisse clarificar a ocorrência. No caso de Glória e seu acompanhante, não houve problema. Os motores eram silenciosos e a ergonomia do submersível, pisciforme, permitia que este deslizasse rápida e discretamente. Em poucos minutos tinham descido e entrado no QG como uma moeda entra num mealheiro, neste caso um aquário gigante, antecâmara de acesso ao cais, onde os esperava o GM em holograma.
- Sala 5, imediatamente! – Ouviu-se pelo altifalante, dando voz ao holograma.
-Aguardo-vos.
Glória e o seu acompanhante apressaram o passo e percorreram três corredores, até chegarem à porta da sala indicada. Uma sala rectangular de cerca de 50m2, com uma mesa redonda de pau santo, 4 cadeiras ergonómicas de braços e espaldar alto, em material sintético e metal, a ocupar a metade direita do compartimento e uma secretária de estrutura metálica, desenho ultradinâmico, tampo também em pau santo, em forma de feijão, do lado esquerdo da sala, atrás da qual se encontrava sentado o GM, um homem sexagenário, ainda em boa forma física, não muito alto, 1,77m, barba e cabelo grisalhos aparados e óculos redondos escuros que não lhe deixavam ver os olhos, uma figura dissimulada. A fraca iluminação do local também contribuía para a inescrutabilidade da sua imagem, a cor da pele, por exemplo, não era conclusiva, aos olhos dos seus interlocutores, para não falar nos traços fisionómicos, onde os reflexos dos dois écrans de computador incrustados na secretária, um de cada lado, convergiam no seu rosto desfigurando-o em sombras e brilhos que lhe davam um ar de temível mistério.
- Antes de mais, preciso de confirmar que o livro está na tua posse, Glória.
- Sim, Mestre. – E tirou o livro de dentro do esconderijo, no forro do blusão. O GM percorreu-o com scanner e certificou-se da sua autenticidade.
- OK. Podes voltar a guardá-lo. Quando tiveres terminado o trabalho de decifração, vais ter que o devolver à sua origem. Enviar-te-ei alguém que te instruirá para tal. Entretanto, não voltas ao teu actual apartamento. Ficarás numa suite do Hotel Morfeu até terminares a pesquisa. A segurança pode estar corrompida. Ylidio acompanhar-te-á até ao novo alojamento. Podem sair.
Glória e Ylidio, agora sabia o nome do seu acompanhante, despediram-se do GM com um lacónico “compreendido!” e dirigiram-se para um veículo eléctrico que os conduziu por um corredor subterrâneo imenso, durante cerca de meia hora até um elevador que entrou diretamente no piso -4 do Hotel, onde apanharam um segundo elevador com acesso exclusivo à suite que lhe estava destinada, no trigésimo quinto e último piso. Ylidio entregou-lhe uma pen com instruções e abandonou o local. Glória estava de novo entregue a si própria e desejosa de terminar o que tinha interrompido. Como calculava, o seu pc portátil já lá se encontrava, assim como as suas roupas e artigos de higiene. A suite tinha uma kitchenette bem equipada, com micro-ondas, frigorífico e uma pequena arca frigorífica, ambos abastecidos com refeições pré-cozinhadas, sopa, leite, iogurtes, sumos, e por aí fora. Filtro purificador de água na torneira, máquina de tirar cafés e chás, suprimento de ambos em abundância, enfim, podia permanecer ali bastantes dias sem ter de se preocupar com a sua subsistência. Para apanhar ar, podia sempre ir até ao terraço ajardinado, cuja magnífica vista sobre a cidade era, simultaneamente relaxante e estimulante. Pena estar só...Mas não havia tempo para sentimentalismos. Tomou um duche e deitou-se. Já eram quase 3h da manhã. Que noite!