terça-feira, 9 de abril de 2019

KO 1

Glória sabia que Al, ao não cumprir com o protocolo, revelava desconhecê-lo, o que denunciava ser considerado persona non grata perante o GG (Grande Grupo).  Tinha pena, porque pertenciam à mesma Escola, e chegaram até a sentir que poderiam partilhar o mesmo espaço, se tal fosse permitido.  Al era alto, atlético, moreno, olhos castanhos e feições de film noir .  Ela,  estatura média, cabelo castanho arruivado de corte rebelde, mais curto do que comprido,  olhos azuis, elegante q.b., não o suficiente para modelo, rosto simpático mas que podia mostrar severidade e até intimidar caso fosse preciso.  Impossível não gostar tanto de um como do outro. E o facto de estarem ligados a uma mesma entidade dava-lhes sobejos motivos para pensar que dificilmente se perderiam de vista.  Vidas de fachada, como cidadãos comuns, mas que nada deviam à normalidade.  
Esta noite, contudo, tornara obscuro o destino desta relação de quase duas dezenas de anos.  O que se teria passado para transformar Al num proscrito?

Dentro do submarino, que submergira logo após a entrada de Glória e do seu libertador, se é que se pode chamar isto a alguém que executa ordens directas do Grande Mestre, respirava-se ansiedade.  Nenhum deles trocou palavra até ao QG (quartel general), situado na parte mais funda do lago, ligado por túneis a quatro edifícios em locais distintos da cidade, N.S.E.O (norte, sul, este, oeste), por forma a cobrir possibilidades de fuga, abrigo ou comunicação, conforme a situação o exigisse.   Ninguém, para além do GM, de um cientista e de um informático, sabia as coordenadas exactas do QG. O submarino funcionava por computação. Identificava quem nele entrasse pelo timbre de voz acrescido de código pessoal. Se um destes elementos falhasse, enviava um aviso de imediato para a base, mergulhava e retinha os seus ocupantes o tempo que permitisse clarificar a ocorrência.  No caso de Glória e seu acompanhante, não houve problema. Os motores eram silenciosos e a ergonomia do submersível, pisciforme, permitia que este deslizasse rápida e discretamente. Em poucos minutos tinham descido e entrado no QG como uma moeda entra num mealheiro, neste caso um aquário gigante, antecâmara de acesso ao cais, onde os esperava o GM em holograma.
- Sala 5,  imediatamente! – Ouviu-se pelo altifalante, dando voz ao holograma.
-Aguardo-vos.
Glória e o seu acompanhante apressaram o passo e percorreram três corredores, até chegarem à porta da sala indicada.  Uma sala rectangular de cerca de 50m2, com uma mesa redonda de pau santo, 4 cadeiras ergonómicas de braços e espaldar alto, em material sintético e metal, a ocupar a metade direita do compartimento e uma secretária de estrutura metálica, desenho ultradinâmico, tampo também em pau santo, em forma de feijão, do lado esquerdo da sala, atrás da qual se encontrava sentado o GM, um homem sexagenário, ainda em boa forma física, não muito alto, 1,77m, barba e cabelo grisalhos aparados e óculos redondos escuros que não lhe deixavam ver os olhos, uma figura dissimulada.  A fraca iluminação do local também contribuía para a inescrutabilidade da sua imagem, a cor da pele, por exemplo, não era conclusiva, aos olhos dos seus interlocutores, para não falar nos traços fisionómicos, onde os reflexos dos dois écrans de computador incrustados na secretária, um de cada lado, convergiam no seu rosto desfigurando-o em sombras e brilhos que lhe davam um ar de temível mistério.
- Antes de mais, preciso de confirmar que o livro está na tua posse, Glória.
- Sim, Mestre. – E tirou o livro de dentro do esconderijo, no forro do blusão.  O GM percorreu-o com scanner e certificou-se da sua autenticidade.
- OK. Podes voltar a guardá-lo.  Quando tiveres terminado o trabalho de decifração, vais ter que o devolver à sua origem. Enviar-te-ei alguém que te instruirá para tal.  Entretanto, não voltas ao teu actual apartamento. Ficarás numa suite do Hotel Morfeu até terminares a pesquisa. A segurança pode estar corrompida.  Ylidio acompanhar-te-á até ao novo alojamento. Podem sair.
Glória e Ylidio, agora sabia o nome do seu acompanhante, despediram-se do GM com um lacónico “compreendido!” e dirigiram-se para um veículo eléctrico Macintosh HD:Users:margaridamirotes:Pictures:iPhoto Library.photolibrary:Masters:2014:05:11:20140511-090539:Sketches.jpg que os conduziu por um corredor subterrâneo imenso, durante cerca de meia hora até um elevador que entrou diretamente no piso -4 do Hotel, onde apanharam um segundo elevador com acesso exclusivo à suite que lhe estava destinada, no trigésimo quinto e último piso.  Ylidio entregou-lhe uma pen com instruções e abandonou o local.  Glória estava de novo entregue a si própria e desejosa de terminar o que tinha interrompido.  Como calculava, o seu pc portátil já lá se encontrava, assim como as suas roupas e artigos de higiene. A suite tinha uma kitchenette bem equipada, com micro-ondas, frigorífico e uma pequena arca frigorífica, ambos abastecidos com refeições pré-cozinhadas, sopa, leite, iogurtes, sumos, e por aí fora.  Filtro purificador de água na torneira, máquina de tirar cafés e chás, suprimento de ambos em abundância, enfim, podia permanecer ali bastantes dias sem ter de se preocupar com a sua subsistência. Para apanhar ar, podia sempre ir até ao terraço ajardinado, cuja magnífica vista sobre a cidade era, simultaneamente relaxante e estimulante. Pena estar só...Mas não havia tempo para sentimentalismos. Tomou um duche e deitou-se. Já eram quase 3h da manhã. Que noite!

domingo, 7 de abril de 2019

Para ler como quem vê um filme. Chamei-lhe AZKO

AZ1

Al deixou o Hotel a toda a velocidade,  saindo em passo rápido e sem olhar para trás.  Meteu-se no primeiro táxi que encontrou e, enquanto dava instruções ao motorista, então sim, olhou por cima do seu ombro direito, para a porta do Hotel.  Mas, estranhamente, não viu quem esperava, nem qualquer movimento suspeito entre os transeuntes. – Tem a certeza de que quer ir para o Parque Central a estas horas? – Perguntou-lhe o taxista.  – Claro que sim, e você não tem nada a ver com isso, não acha? - Só estava a avisá-lo, senhor. Aquilo anda perigoso. Ainda ontem, disseram-me, foi encontrado um carro, perto do Grande Lago, cujos donos estão desaparecidos  há um mês. O carro parece que estava meio derretido, mas não apresentava vestígios de queimaduras ou ácido. Era mais como se tivesse passado por um estado de liquefação. Muito estranho...
Al não deu troco à conversa e limitou-se a pressionar o seu interlocutor para que fosse mais depressa.  
Entretanto, num pequeno apartamento situado num prédio de 30 andares, alguns quarteirões abaixo, uma rapariga, de nome Glória, estudava  com grande entusiasmo um livro de capa lacada, como um missal antigo, folheando-o como muito cuidado, para não danificar as páginas de espessura ínfima.  Mas ao contrário de iluminuras, os desenhos, ou melhor, os gráficos que preenchiam algumas páginas não pareciam fazer sentido. As linhas curtas, colocadas em diversas posições e composições, lembravam labirintos, não fosse serem feitas de minúsculos letras e algarismos, apenas detectáveis com ampliação de imagem.  Glória tentava decifrar o que quer que fosse que ali estivesse escrito, recorrendo a um pequeno computador de bolso em ligação com um sítio na internet de acesso muito condicionado, o AP; só meia dúzia de pessoas o teria e após procedimentos de segurança implacáveis. Por exemplo, se um utilizador quebrasse alguma regra, por mais insignificante, não só ficava impedido de lhe aceder, como teria a sua vida muito dificultada, ao ponto de quase se poder considerar em perigo, ou ver-se-ia perseguido até à loucura, estádio em que a sociedade o encerraria num hospício para doentes mentais.  
Mas Glória cumpria rigorosamente todos os protocolos informáticos necessários e a coerência das questões que ia colocando batiam certo com o objecto da sua pesquisa, nem mais nem menos. O enigma ia-se desfazendo à medida que decifrava o “labirinto”.  Estava nesta atividade quando, de súbito, foi interrompida pelo toque do telefone. Deixou tocar três vezes e atendeu. – Sim? – Sou eu, respondeu uma voz masculina, timbre de baixo, em sussurro – Podes vir ter comigo agora, ao Parque Central? – Agora? A estas horas?! – disse, estupefacta.-    Sim, caso contrário, temos problemas... – Que problemas? Não está tudo a correr conforme previsto?- Não- respondeu Al- alguém descobriu que estamos na posse da GI (Grande Info) e o caso já chegou aos ouvidos do Grande Mestre. Temos de esconder o livro o mais depressa possível! Trá-lo contigo. Estou na alameda esquerda, ao pé da velha sequoia. Até já!- E desligou, sem esperar pela resposta da sua interlocutora.
Glória vestiu o colete à prova de bala, que disfarçou com um casaco de cabedal preto, meteu o livro num bolso especial escondido no forro, agarrou na mala, colocou um barrete de malha na cabeça e saiu, em passos delicados, mas rápidos e seguros.  Percorreu os quatro quarteirões que a separavam do Parque, e, sem grande sobressalto, conseguiu chegar ao local combinado, onde se encontrava um vulto dissimulado entre uns arbustos, que se revelou à sua chegada. O luar denunciava o Lago em reflexos de prata, a poucos metros dali, tornando menos lúgubres as sombras nocturnas da vegetação circundante.  Al colocou-lhe o braço por cima dos ombros, como se fossem um casal em encontro amoroso, e meteu-lhe a mão no blusão, em busca do livro. Glória ficou atónita.
– Tu não podes ficar com o livro sem executares o protocolo.  E libertou-se esgueirando-se qual cobra rastejante para fora do alcance dos braços de Al, ao que este reagiu com um gesto rápido, agarrando-lhe ambos os pulsos com as mãos e olhando-a firmemente nos olhos – Não estou aqui para te prejudicar. Mas se não entregar até às 2 horas da manhã o que aí tens a uma certa pessoa, deixará de ser possível detê-los e as consequências, como podes imaginar, serão devastadoras. Por isso, passa para cá o livro e desaparece por uns tempos. Se alguém estranhar a tua ausência no AP, dir-lhe-ei que talvez tenhas tido de parar por motivos de segurança ou de doença, enfim, tratarei de inventar para os retardar.
– Ainda assim, respondeu Glória, tens de cumprir o protocolo. Estou à espera.
Al ficou um pouco atrapalhado, mas não se desmanchou. – Não tenho tempo. Lamento...E apontou-lhe um revólver – Ou colaboras de imediato ou tenho de te fazer o que não queria. Ao que Glória reagiu com lentidão, dando tempo a que outro personagem se aproximasse por detrás de Al e o imobilizasse de surpresa, retirando-lhe a arma após de lhe dar uma pancada na nuca, num golpe de karaté que lhe retirou o estado consciente. E desapareceram, Glória e o novo personagem, por entre as sombras em direcção a um pequeno submarino estacionado no Lago.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014